•.¸¸.ஐMenina perdida

Eram duas horas da madrugada quando ela fechou a porta a suas costas. Aquelas seriam as últimas lágrimas derramadas em seu quarto. Aquela seria a última briga em casa. “Aquela garotinha de cabelos cacheados e riso fácil morreu e foi você quem a matou”, ela gritou por desespero e por desabafo a uma mãe alterada, incapaz de vê-la adulta, dona do próprio destino, dos próprios sonhos e desejos.

Quando trancou o portão e jogou as chaves fora, uma dor lancinante, aguda e fria transpassou-lhe o peito. Os joelhos dobraram, mas ela se recusou a cair. Sabia que toda separação doía. Mas sabia que a dor não durava para sempre. Ou até durava, mas depois perdia a intensidade, virava melancolia até ir doer na memória apenas. Nada que boas doses de vodka não pudessem curar.

Mas aquele era o momento de doer e sentir a dor. Era o momento de ver aquele flashback de momentos felizes, de cachos ao vento, de ovos de páscoa, de dias das crianças com muitas caixas coloridas, de noites de Santa Luzia com expectativa de surpresa, de natais com o Papai Noel.

Ela se lembrou de todos os prêmios que ganhou na escola, de todas as vezes que só tirou 10 nas provas, de como se esforçou para ser a garota perfeita. Até que se perdeu de si e não sabia mais quem era. E o caminho de volta para si mesma doeu.

Quantas noites chorou sozinha, baixinho, com medo de acordar alguém? Quantas vezes quis fazer uma pergunta e não tinha ninguém para ouvir? Quantas vezes o medo em seus olhos foi visto como petulância? Quantas vezes ouviu sua mãe dizer que sabia exatamente o que ela estava pensando, quando tudo que ela emitia era um pedido de socorro?

Doeu. Ainda dói. Mas ela cresceu. Sozinha, fechada em si. Viveu todos os dilemas sem contar com ninguém para ajudá-la, para orientá-la. E não foi por falta de tentar. Mas chegou um ponto em que ela desistiu. Abandonou uma relação que se perdeu em alguma esquina do passado. Ela cresceu e não se parecia em quase nada com sua mãe. A não ser pela teimosia. Ela amadureceu.

Não foi fácil se olhar no espelho. Não foi fácil ver quem ela era, tão diferente da garota perfeita, tão cheia de falhas, tão distante da filha querida. Mas ela decidiu viver conforme sua essência, mesmo que tivesse um preço a pagar por isso. Só não sabia que era tão alto.

Muitos sorrisos que conhecia se apagaram. O que antes era tolerância, virou revolta, incompreensão explícita, verbal, mordaz. E ela ouviu calada. Até ontem à noite. Ela sofreu calada. Até ontem à noite. Ela viveu calada. Até ontem à noite.

- Eu não sei, minha filha, quando foi que você se perdeu. A sua convivência com essas pessoas que não vão à igreja levou você para esse caminho. Eu não entendo, filha...
- Chega! – olhar duro, voz ferida – Eu não vou ouvir mais nada. Agora sou eu quem vai falar.

A mãe se assustou. Não estava acostumada a escutar a menina, sempre em silêncio, enquanto destilava sua ladainha de motivos, tergiversando sobre o comportamento dela, o jeito dela, as escolhas dela.

- Você me julga sem me conhecer, sem nunca ter me perguntado nada a meu respeito. Você não sabe o que eu sinto.
- Eu te conheço mais do que você pensa, menina.
- Ah é? Então me diz qual é o maior sonho da minha vida.

Silêncio.

- Qual a minha cor preferida?

Silêncio.

- Qual é o livro que mais me marcou?

Silêncio.

- O que eu mais amo fazer?

Silêncio.

- Você não conhece a minha essência. E desde que eu nasci, tentou me fazer uma cópia de você. Quis que eu fosse alguém que você sonhou em ser. Mas eu tenho os meus próprios sonhos. Eu tenho as minhas verdades. Nós não acreditamos nas mesmas coisas. Você não sabe o quanto doeu me descobrir perdida e eu não tinha ninguém para conversar. Você não sabe o quanto doeu me saber diferente e eu não tinha um colo para aonde correr. Mas eu cresci, sem você. E eu me encontrei.

Incrédula, a mãe olhava a jovem. Segura como nunca a vira antes, dona de si. Algumas lágrimas lhe escorriam na face. De repente, ela se deu conta de que não conhecia a garota a sua frente.

- Me chame do que você quiser. Eu sou mesmo uma menina perdida. Mas eu me encontrei, plenamente, nos braços de uma outra menina perdida, como eu. E você goste ou não, aprove ou não, eu vou viver isso até o fim. E se não for com ela que passarei o resto da vida, eu vou continuar procurando alguém. Mas não espere um genro de mim, o máximo que eu posso te dar é uma nora. E eu não preciso que você me ame. Eu quis isso, eu quis muito isso, mas se eu tiver que deixar de ser eu pra ser amada por você, muito obrigada, mas pode ficar com seu amor. Eu nunca serei a garota perfeita.
- Você mudou tanto... Eu tenho tanta saudade da minha menina de cabelos cacheados e riso tão doce...
- Aquela garotinha de cabelos cacheados e riso fácil morreu e foi você quem a matou! – gritou, silenciando a mãe, a casa, a relação.

Uma dor muda em ambos os olhos, um choro sem lágrimas em ambas as faces. Um tapa ecoou em todos os cômodos da casa e rompeu o tênue laço que ainda as unia. De olhos fechados, a garota pôde ouvir o vidro se estilhaçando dentro de si. Estava acabado. Dali em diante, seguiria como sempre, sozinha.

Entrou para o quarto e logo juntou suas coisas. Couberam numa grande mala vermelha. Além das roupas, sapatos e livros, carregava também seus sonhos, os antigos e os novos. Todos. E ali deixava todas as suas lágrimas, as lembranças de suas noites mais frias e de tantas preces não ouvidas.

A garota saiu no portão e jogou a chave fora. Uma chuva fina e constante começou a cair. A menina abriu os braços para os pingos e eles a abraçaram. E ela seguiu, sem olhar para trás. Mais uma vez, ela cresceu.



•.¸¸.ஐ"Each time I make my mother cry, an angel cry and falls from heaven" - Marylin Manson.

"As meninas perdidas, por algum motivo, perdem suas mães muito cedo, às vezes porque não se sentem compreendidas, às vezes porque seguem a trilha de outra menina perdida que as leva para longe de casa e outras vezes porque é inevitável e escolhem partir antes que suas mães derramem lágrimas, para que anjo nenhum morra ou caia do céu" - Vange Leonel; Balada para as meninas perdidas.

34 comentários:



Unknown disse...

Filha......Vc se supera a cada texto seu, não me surpreende! Vc escreve com a alma e coração é isso q te faz tão clara aos olhos de quem sabe o q é o amor ou imagina como será o seu quando este chegar !! Parabéns pela sua sensibilidade, pelo seu amor incondicional ao q faz, isto é o q te faz BRILHANTE :* Mó orgulho eu :)
Te amo resdavidaaaaa, srrs ...
Mamãe;)*

Unknown disse...

Doce menina;és escritora,sensivel,inteligente e sobre tudo verdadeira.Deus abençoe seus dias.Parabens!Te gosto e te gostarei sempre.Tia Aurinha

Anônimo disse...

Bruh, uma semana maravilhosa para voce, tão maravilhosa quantos eus textos, parabéns pela sua capacidade de escritra, sous eu fã incondicional, bjus

Unknown disse...

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
/ \ / \ / \ / \ / \ / \ / \ / \ / \ / \ / \
( P | a | s | c | o | a ) ( F | e | l | i | z )
\_/ \_/ \_/ \_/ \_/ \_/ \_/ \_/ \_/ \_/ \_/

Desejo uma Páscoa Feliz e uma boa semana.
Beijo
Manuela

Dois Rios disse...

"Mas sabia que a dor não durava para sempre. Ou até durava, mas depois perdia a intensidade, virava melancolia até ir doer na memória apenas."

Bru, minha linda, há uma frase do Manoel de Barros que sintetiza o teu peculiar jeito de escrever:

"É preciso entrar em estado de palavra."

Pois bem, você entra e nos leva junto.

Beijos encantados,

Inês

Vandi disse...

Uau que história incrivél.
Cada vez vc escreve melhor, suas histórias prendem o leitor, são totalmente anti cliches, tudo de bom!
Não vejo a hora de comprar seu livro.

beijos & sorrisos

Anônimo disse...

Intenso,Bru,muito bem escrito.Emocionou-me.Parabéns.Beijos,querida.

Pelos caminhos da vida. disse...

Que a paz seja seu objetivo, que o amor seja o seu caminho,
que a sabedoria guie seus passos.

Bom dia.

beijooo.

Avid disse...

Fico de olhos arregalados ao ler-te...fluis tao bem em mim...escrever com vida...emorte. Perfeito.
Bjs meus

Fala Rapha disse...

Bru seu visual novo está MARA!!!!!!!! Estou até agora babando seu layout! Parabéns.

Amei o texto !!!

um beijo linda

Carla disse...

a dor é sempre m,arcante, mas esta dor da perda dói nas entranhas
muito bom o teu texto
beijos e boa semana

Anônimo disse...

um beijo gigante minha mais linda borboleta

Ava disse...

"Nunca se disse ser o amor justo,
Nem sempre é de caminhos fáceis,"

Trago pra vc, um pedacinho do infinito que deixastes em meu blog.
Entrar ali e encontrar aquele carinho todo, me desmontou!
Vc é encantadora...
Li seu texto duas vezes, para ter certeza de nada me escapara...
Ao escrever, vc derrama sua alma junto com as palavras!

Linda menina, um grande beijo e uma semana iluminada para vc!

Flavio Ferrari disse...

Que história triste...
E muito bem escrita.

Déh disse...

Como sempre as letras brincam ao bel prazer da pena que vai nas mãos geniosas de Bru.
As palavras afloram e brincam como crianças no parque em noite de banda no coreto da praça a nos lembrar de quão importante é vver cada momento de nossas vidas mesmo que muitos deles não sejam os melhores.
Tiro o chapéu e me curvo para vc uma vez mais Bru
Parabêns

Pelos caminhos da vida. disse...

Obrigada pela sua visita.

Fica aqui um abraço pra vc amiga.

beijooo.

meus instantes e momentos disse...

muito, muito bom o texto. Parabens , gostei daqui.
Maurizio

Izinha disse...

Oi Bru, história marcante de muitas meninas q não encontram no aconchego do lar, no colo da mãe o apoio necessário para as dúvidas e incertezas da vida e caminham sozinhas com passos guiados pela emoção e assim se tornam adultas , amadurecidas antes do tempo.

vc escreve divinamente como se vivesse a situação...

beijos prá ti!

Cadinho RoCo disse...

Assunto muito delicado para mero comentário.
Cadinho RoCo

Sombra de Anja disse...

Muito bem...
Muito bom...
Muito boa...

Adorei meu bem.

beijos

Pelos caminhos da vida. disse...

Que a alegria da Páscoa
invada o seu coração
e o daqueles a quem ama,
irradiando luz para iluminar
e fazer brilhar o mundo em
que vivemos, enchendo-o de

AMOR SAÚDE PAZ

Feliz Páscoa.

beijooo.

Anônimo disse...

lindo... o teu jeito de escrever, o proprio texto... vi a cena, senti a chuva.. tudo... você leva quem te lê ao mundo do que escreves...

parabéns brunella.

beijos e continue assim

Descriativa ¬¬" disse...

Nós somos as meninas perdidas...
Vistas assim por ver as coisas de outra maneira.
Me identifiquei totalmente, Bru.

Amo vc hetairai!

lua prateada disse...

Lindo...
Passei para deixar o desejo de uma Páscoa Feliz e, que o sangue que o Nosso Jesus derramou para nos salvar NUNCA seja em vão que saibamos todos reconhecê-lo como nosso SALVADOR !....
Beijinho com carinho.

SOL

bsh disse...

Escritora de qualidade!!

Desejo uma boa Páscoa com muitos doces e com versos apaixonantes.

http://desabafos-solitarios.blogspot.com/

Ava disse...

Quando a gente gosta a gente volta...
Uma históia, triste mas com tantas verdades...
Adoro ler vc...

Beijos e carinhos!

Uma páscoa recheada de paz e chocolates!

meus instantes e momentos disse...

Sempre muito bom voltar ao teu blog, gosto daqui.
Tenha uma bela Páscoa.
Maurizio

Carla disse...

Amor e letras, tudo de bom!
Menina, gostei do seu blog. Voltarei.

Bjos

Iana disse...

Ola é aqui que encontro a borboleta apaixonada pelas rosas???

Que alegreia linda borboleta, passei aqui para conhecer e deliciei-me.

Deixo-te o perfume das flores, o orvalho das flolhas de um lindo roseiral e a certeza de que voltarei...

Desejos de Um Páscoa doce e Feliz

Ah!!! Quem sou???? Sou apenas uma rosa amiga
Iana!!!

Nilson Barcelli disse...

Mais um excelente texto cara amiga.
A sua narrativa é muito boa, gostei muito de ler.
Uma Páscoa Feliz para vc e para os seus.
Beijos.

luis lourenço disse...

A grandeza das emoções na tua escrita tão subtil...e belíssima.
estou pra te desejar uma páscoa imensamente feliz.

beijinhos...

Izinha disse...

"Páscoa é dizer sim ao amor e a vida;
é investir na fraternidade, é lutar por
um mundo melhor, é vivenciar a
solidariedade."


FELIZ PÁSCOA prá ti,

bjos!

Paula Barros disse...

A qualidade da escrita é impressionante, a forma de narrar, o desenvolvimento.

O tema, muito forte, dolorido. Para a menina, para a mãe.
Nenhuma das duas preparadas para as descobertas, para a realidade. Cada uma tentando tatear o caminho, uma se encontra e vai (a menina), a mãe continua perdida. (pelo menos no texto)

Lembrei de uma blogueira que conheci e que me falou minha filha e a namorada dela moram lá em casa, ficamos sem saber se tínhamos escutado bem. Ela foi muito natural, e isso é saudável nas relações. Quando se respeita e ajuda o outro a ser feliz.

abraços, feliz páscoa.

João52 disse...

lindo.... mais uma vez deixas-te a olhar para a tela do meu PC para ver se o que estava a ler seria mesmo que o que estava a ler... (pois é)...


uma óptima Páscoa cheia de luz...