•.¸¸.ஐJardim das delícias

A poetisa olhava-a fixamente da fresta da cortina. Linda. Observava-a no jardim da casa dela, cuidando de uma roseira. Da janela de seu quarto, acompanhava a movimentação da vizinha. Mãos revolviam a terra, limpavam o suor da testa, deixando caminhos marrons na face.

De olhos profundos e inquietantes, espreitava a beleza, com cintilante vontade de provar as melodias dos beijos quentes prometidos por aqueles lábios. A jardineira regava as flores sem saber que molhava também outra flor, oculta, querente. Valentina soube antes escrever o que o céu desenhava, os traços escorrendo pela tinta como fragmentos de um pincel desnivelado, as formas divagando sobre a natureza que os seios-botões lhe insinuavam.

Embebida em leves nuances de paixão e alegria, desejou percorrê-la na intemporalidade dos sonhos. Vontade de um toque, um abraço, um gosto. Um canto quase místico alcançou-lhe os ouvidos. A beleza era mais do que a voz.

Viu-se descendo os degraus até o portão. Viu-se seguindo os passos que tanto imaginou. Viu-se entrando no jardim onde vagueavam seus versos flamejantes. Viu-se diante dos olhos orvalhados de luar que tanto a fascinavam.

Sorriso. Surpresa. E eclodiu a centelha no desejar profundo. Incandescentes pétalas deixaram a corola que as abrigavam e foram beijar-lhes os pés. Ao toque da paixão, os lábios consumiam os sóis de outros céus, vivendo o encontro cujos gemidos caíam no equinócio de uma voluptuosa primavera.

•.¸¸.ஐNa curva de meus voos

Com tal leveza posso percorrer o globo
ir e vir ao acaso, como as borboletas.
Não sou eu, mas a minha alma alada

E abrem-se os palácios,
e percorro tesouros guardados,
e sou sorriso e silêncio

Na dia encontro a noite,
convidativa e amistosa
Voo sobre séculos e horóscopos
ouço dizer que me amam
como ninguém jamais o poderia confessar

Não tenho idade, nem tribo,
nem rosto, nem profissão
posso fazer o que quiser
com palavras, harpas e almas

E não há volta ao casulo
E já não há medo nenhum da morte
E em meu pensamento há néctar, pólen e amor!



•.¸¸.ஐAmig@s, retomei minhas aulas na universidade esta semana, por isso não tenho tido mais muito tempo para visitá-l@s de segunda à sexta-feira. Mas me dedicarei a este meu pedacinho de céu e às visitas a tod@s nos finais de semana.

Beijos e borboleteios...

•.¸¸.ஐDespertar

Uma nesga de luar se esgueira no balançar da cortina e encontra os mamilos túrgidos aguardando o acariciar da madrugada. Deserdada da serenidade, ela irradia o calor do desejo, pois da flor do querer nascera.

O vento sopra mais forte e abre o caminho para a Lua descer sobre o corpo dela e chegar-lhe ao cálice onde guarda o vinho precioso feito do néctar de sua flor. E o corpo dela reage como o rio a uma tempestade... Com vida!

Ondulando-se em carícias brandas, a luz percorre em curvas o destino de curvas feito. Enquanto o lençol ondula com o bailar do corpo, caem as pétalas das horas perfumadas pelo mel do gozo. Num flamejar de urgências, ela desperta com o Sol a suas costas e a Lua a seus pés.

•.¸¸.ஐTato

Posso falar de amor de diversas formas.
Mas falarei pelo tato.
Falarei das sensações que tu me provocas.

Direi que tu aceleras meu pulso.
Confessarei que tu acertas meu compasso.
E esse amor é intenso, de simples não tem nada.

Quero ter-te mais, mais e mais.
Em ti, encontrei o amor, dádiva de Eros
Benção de Afrodite

A ti chamo por diversos nomes:
Namorada e amante
Amiga e musa...
Amor meu!

E vou abraçar-te, sim, num abraço maior.
E beijar-te como quem está sedenta diante da fonte!
E fazer amor com muita fome

E entrelaçar as mãos como quem encontrou sua alma-metade.
E olhar nos olhos e dizer: esse amor nos basta
Porque ele é maior do que nós!

•.¸¸.ஐMulher... unicamente

Já ao alvorecer pode-se notar sua deliciosa presença vagando pela casa
Cuida da prole, do seu homem, de si mesma e sai...
Ganha as ruas, o mundo dos negócios, da política, do futebol
Que outrora se mostravam inacessíveis e dominados.

Com sua inteligência, sensibilidade, diplomacia
E tantas qualidades mais, vence guerras, derruba barreiras,
Destaca-se, brilha, impõe respeito, inspira admiração
Naqueles que antes duvidavam do seu talento.

Mesmo em sua reunião mais importante do trabalho
Preocupa-se com seus rebentos muito amados
Gerados e esperados em suas bolsas de luxo,
Capazes de mexer com o mundo e torná-lo mais belo e gentil.

Rainhas, presidentas, musas inspiradoras,
Donas-de-casa, trabalhadoras do dia-a-dia,
Todas muito mais que especiais. Todas igualmente poderosas.
Todas unicamente... Mulher!

•.¸¸.ஐA bolsa

Liah passeava por uma rua qualquer do centro da cidade onde morava e olhava vitrines para se distrair. Passava em frente a uma lojinha pequena, ninguém dentro, quase despercebida, quando viu a bolsa num cantinho da vitrine. Não era qualquer bolsa, era a sua bolsa. Bolsa de mulher é especial, única. São muitas, é verdade, mas cada uma única. Tem que caber tudo que elas pensam que precisam carregar. Se bobear, tem que caber até os sonhos delas.

Sabe aquela sensação que se tem de que alguma coisa foi feita para você? Foi isso que ela sentiu. Liah entrou e logo foi atendida por uma senhora simpática. A bolsa era até mais barata do que ela imaginava. Tinha o dinheiro na carteira. A bolsa era dela.

Saiu dali e foi direto para casa. Chegou e ficou admirando a bolsa, esperando que o outro dia chegasse logo para que ela pudesse usar o novo acessório. E assim fez. Vestiu a calça que mais gostava, uma blusa neutra e deixou o colorido para a bolsa. Ela saiu de casa e já no ponto de ônibus, sentiu que as pessoas a olhavam. Para Liah não, para a bolsa.

No caminho para o trabalho foi a mesma coisa. A bolsa sempre chamando a atenção por onde passava. Liah podia imaginar o sorriso orgulhoso daquele pedaço de pano costurado e modelado em formato de bolsa. O que ela mais gostava eram os dois lacinhos de cetim nas laterais e o colorido, claro. Todo mundo olhava a bolsa de Liah, mas ninguém falava nada.

Talvez as pessoas não quisessem admitir que estivessem olhando. Talvez não quisessem falar mesmo. Quando chegou ao seu local de trabalho, a chefe dela ficou visivelmente encantada com a bolsa. Os olhos perguntavam: “onde será que ela comprou?”. A boca, porém, não pronunciou nenhuma palavra além do “bom dia” habitual.

Liah trabalhou normalmente durante o dia, mas deixou a bolsa ficar se exibindo em cima da mesa. No elevador, em seu horário de saída, as pessoas estavam coincidentemente falando de bolsas. Não da bolsa de Liah, mas de bolsas em geral, dessas grandes que estão na moda. Algumas mulheres falavam alguma coisa quando Liah e sua bolsa entraram cortando os dizeres ao meio. E todos permaneceram em silêncio até o térreo. Em silêncio e olhando para a bolsa colorida que quase tinha vida própria junto a sua dona.

As pessoas esperaram que ela saísse do elevador para depois saírem. E lá se foram Liah e sua bolsa orgulhosa desfilar pelas ruas até o ponto de ônibus. A moça cantarolava uma música que combinava com o colorido da bolsa. Ambas sorriam. As pessoas passavam por elas e ficavam curiosas para saber de onde vinham os sorrisos. Não descobriam.

Liah e a bolsa chegaram ao ponto de ônibus e receberam olhares atentos vindos de todos os que estavam ali. Alguém podia até comentar alguma coisa, mas teria o cuidado para que as duas não ouvissem.

Naquele dia, o ônibus demorou mais a passar. Talvez quisesse dar mais tempo para que as pessoas pudessem admirar a bolsa. Talvez estivesse preso no trânsito mesmo. Liah tentava se distrair olhando para o céu. As pessoas não entendiam o que ela tanto via. Estava olhando para a lua. Era a primeira noite de Lua cheia. “Perfeita!”.

Distraída, enquanto a bolsa continuava a se exibir, Liah não viu quando uma moça se aproximou.

- Ei.
Ela se assustou.
- Desculpa, não queria assustar você.
- Tudo bem, eu estava distraída.
- Tem muito tempo que você está aqui?
- Mais ou menos.
- Você viu se o Dom Bosco – Ipiranga já passou? - perguntou a moça muito baixinho.
Liah não entendeu e pediu que a moça repetisse a pergunta duas vezes até conseguir ouvir.
- Ah! Esse ainda não passou. Pelo menos não enquanto eu estava aqui.
- Hum... Obrigada.
- De nada.

Não demorou nem mais meio minuto e o ônibus de Liah finalmente chegou. Como a moça estava ao seu lado, ela resolveu se despedir.
- Tchau.
- Tchau... E que bolsa linda a sua.
Foi a vez de Liah agradecer e sorrir.
- Obrigada.

E finalmente foram para casa Liah e a bolsa orgulhosa.

•.¸¸.ஐEu não sou um anjo

eu não sou um anjo...
mas não pense que eu não vou chorar
ferida como a borboleta
que voa ao céu com uma asa sangrando

me permiti pendurar nas alças dos desejos...
dos meus desejos!
me permiti entregar minha alma
ao desvio onde tantos a perderam
e meu coração não poderia se quebrar
pois, desde o início, nunca foi inteiro!

parece que você não percebeu: o bebê cresceu!
não sou mais uma menininha. Sou uma mulher!
e por esta afirmação entenda o que quiser
porque eu não vou me explicar
mulher não se explica
se é... significa...!

eu não sou anjo...
mas isso não denota que eu não vou viver
a pilha do controle remoto acabou
a transmissão direta chegou ao fim
e não há como reconectar

eu não sou um anjo...
mas isso não quer dizer que eu não vou voar
só preciso ficar leve e vazia
de todo passado que corre em minhas veias
e não haverá lágrimas de despedida

não entenda isso como um adeus,
veja como um tchau, sem prazo de validade...
você não me perdeu
simplesmente porque nunca me teve...

eu não sou um anjo...

•.¸¸.ஐNoite de luar

Era noite... Estava deitada em minha cama, à luz da lua, contemplando o brilho das estrelas. Enquanto pairava sobre minha alma uma escuridão tempestuosa e densa, minha face permanecia inerte diante àquela beleza esplendorosa.

Mas por dentro, meu espírito estava em chamas, um turbilhão de emoções e sentimentos me invadiam o ser... Tudo tão confuso e embaraçoso que eu já não podia ver mais nada, apenas escuridão.

Há muito me sentia indiferente, desconcentrada e nos mais diferentes lugares e situações, me via pensando em pessoas e atos que nunca antes passaram pela minha cabeça... Mas uma, apenas uma pessoa chamava minha atenção...

A única que ficava todas as vezes, a única que mexia em minhas certezas: uma mulher... Pele clara, cabelos loiros como os raios de Sol, alta, rosto atraente, traços marcantes... É de todas a mais bela. Ouso dizer, Filha da Vênus!

Seu olhar... Sensual, penetrante, pegou-me desprevenida. Não pude deixar de fitá-la, notá-la olhando para mim. Ah! Jamais vira olhos assim... Tão intensos e atraentes. Senti-me excitada. E quando dei por mim, estávamos sozinhas, todos os que ali passavam haviam desaparecido.

Nesse momento, desejei-a mais que a própria vida, e comecei a caminhar para ela. Aproximava-me lentamente, olhares fixos, como se naquele silêncio nossas almas estivessem se encontrado.

Vi que os olhos dela ardiam de desejo e sabia que os meus correspondiam. Quando senti o seu perfume, pura rosa, delirei. Deixei que seu olhar me penetrasse, que chegasse a minha alma e me senti nua. Num instante, estava em seus braços, seus beijos.

Sorrindo, entreguei-me àquela mulher da qual eu não sabia quase nada, apenas o nome. Nossos corpos pareciam em chamas e nossas almas num balé celestial de tão sincronizado, tornaram-se uma só!

Por horas nos sentimos flutuando, chegamos ao paraíso e ele nos pertencia. Éramos as donas do mundo, das vontades e das verdades, do prazer e da felicidade. Foram momentos de êxtase total. Nossos corpos estavam exaustos e satisfeitos. Os olhos dela eram um oceano de sentimentos onde eu mergulhava e ia às profundezas, sem medo...

Deitamo-nos lado a lado, abraçadas. Nossos corpos nus reluziam à luz da lua, a brisa suave da noite nos envolvia e o fino orvalho que entrava pela janela deixava úmida nossa carne. Permite que ela me tomasse para si. Um longo e gostoso silêncio permanecia entre nós, no qual nossas almas juravam amor eterno. Assim adormecemos.

Ao amanhecer, estava só. Minha cama coberta de rosas escarlates como sangue e eu, envolvida por um fino vestido de seda branca. Ao querer levantar, fui advertida por uma voz bem conhecida. Ela estava ali, pintando um quadro. Quando terminou me chamou para ver. Era um retrato meu, como estava na cama. Dei-lhe um longo e delicioso beijo e deixei que partisse, mas fiquei com o quadro.

Agora, estou deitada em minha cama olhando a lua, as estrelas e buscando os olhos dela. Uso o mesmo vestido branco e continuo cercada pelas mesmas rosas que, não sei explicar como, não murcharam. A porta se abre, é o meu Anjo de volta. Levanto-me sorrindo enquanto ela vem ao meu encontro.

Toco sua face suavemente e dou-lhe um beijo de boas-vindas. Nossos corpos querem se redescobrir, viajar aos lugares longínquos que visitamos e revisitar o paraíso em nossa eterna noite do prazer, nossa noite de luar.