Uma nesga de luar transpassa a cortina...
abro minhas janelas e a luz me invade:
a madrugada se despe a minha volta.
Em meu íntimo ainda mora um sonho,
como se só sobrevivesse para escrever outra vez,
e nunca chega para mim o tempo da quietude,
pois não compreendo histórias lineares,
reações exatas ou gestos estudados.
Contorno meus lábios provando-os,
como se buscasse um vestígio qualquer
do 'eu te amo' tantas vezes pronunciado;
não me agradam essas palavras ressoando pela noite.
Visto-me de ousadia
e me entrego à liberdade de um voo solitário.
Sigo até o infinito na negra face do horizonte
buscando as cores distantes
que outrora compunham as trilhas do arco-íris,
onde habitam todas as minhas memórias.
Em meus borboleteios,
colho os botões de rosa orvalhados de Eros
nas primeiras horas das primaveras,
deixo espalhadas todas as minhas auroras,
abandono-me à doçura dos ocasos
e faço minha a voz do silêncio.
Imersa na cadência de um sussurro irrefletido,
meus passos nunca reconhecem o caminho
que impõe apenas o seguir em frente;
como relatar ao mundo o momento em que me detenho
a observar o acariciar do vento nas pétalas de uma flor?
Vinde, ó Musas!
Trazei as palavras que me escapam, as rimas que não encontro,
a paz que nunca esteve comigo,
posto ser minha alma feita de amor e de letras.
Vinde, filhas de Zeus!
Aplacai os gritos das marés de silêncio de minhas saudades
tocai com vossos dedos de nuvem em meu cerne
e fazei estancar o sangue de minhas feridas.
Assim como minha mestra, a Grande Sapphō´ de Lesbos,
declaro-me culpada de sempre despir minhas máscaras
por ser em outro olhar onde desejo me encontrar e me reconhecer...
À Van Gogh
Há um mês