•.¸¸.ஐ Amanheci outono


Sou parte delírio e tanta parte de espanto. Porque é o avesso de suave este mundo que me contém, que exubera ocorrências dúbias cujas manifestações se prestam a um aniquilamento gradativo das minhas maiores certezas; chamo o tempo ora cura, ora culpado das sobras a que me reduzo quando investigo-me o íntimo, desajustada.

E me deito nas sombras, e me embalo nos ventos, nas luas, plêiades, marés e vazantes. Mulher urdida em fina teia. Sujeito, singular, desejante. Emparedada no cimento da palavra, da linguagem mínima, mímica. Todos os dias são dias de se lembrar e de se esquecer - como é difícil manter o tempo sem memória de mim! As horas são todas filhas das dúvidas e dos medos que as povoam, crescem ligeiras regadas pelas inquietações subterrâneas que me alarmam os sentidos.

As pétalas do que tão pouco sei, do que tão pouco sou, do que tampouco... Hoje eu só queria encostar-me a um travesseiro de coisa nenhuma e ali dormir por semanas; perder-me do que é vão e do que é preciso; fechar os olhos ao importante e ao fútil; deixar que morra em mim tudo aquilo que não posso compreender.

Se sou verso inacabado, imperfeito, ao que me sabe, verso confessado rasgando o véu da boca, expõe meu grito. Da arte do barro, flor de lamaçal desabrochando lenta. Imperfeita e milenar reconstrução diária, metamorfose alada, ávida, voraz a consumir eterna o que alimenta o ciclo da ilusão. Queria amputar dos meus desejos os seus impossíveis, livrá-los do meu peso, fazer com que se tornassem tão leves que desaparecessem, etéreos, feito sonhos. E acordar talvez vazia, mas sem pressa de viver.