•.¸¸.ஐ Luz que clareia meus escuros ஐ Capítulo 3

À medida que avançava o número de páginas, me surpreendia com versos, poemas e desenhos belíssimos e a vontade de conhecer Elísia era quase sufocante já. Nem me dei conta das horas. Só depois de muito tempo, quando meu estômago começou a reclamar.

Olhei no relógio e me espantei. Passava das dez e meia. A essa hora, eu não sairia para comer nada. Decidi consultar a listinha dos meus lugares de comida rápida preferidos. Tinha um restaurantezinho de comidas orientais super fofo no centro do balneário de Porto de Elara e que entregava em casa, o Bashô Jo. Decidi então por uma porção de sushi, outra de rolinho primavera e um yakisoba.

Enquanto esperava pela entrega, peguei novamente o desenho da mulher na praia, preparei um drink com vodka e me sentei no sofá da sala. Em meu aparelho de som, um CD de Enya. Fiquei feliz ao escutar aquela voz tão íntima minha ecoando pela casa. Achei que Elísia também gostaria de ouvi-la.

— Elísia...

Parei com o copo na mão e fiquei olhando para o nada. O telefone me tirou de meu devaneio. Era Beta. Queria saber como estava indo com a nova poetisa, o que estava achando. Não disse tudo que já havia pensado. Fui evasiva o suficiente para deixá-la em dúvida. Ela logo desligou dizendo que não queria me atrapalhar.

Nem mesmo tive tempo de recolocar o telefone na base e chamou novamente. Dessa vez, era Alysha.

— Boa noite, ma chat!

— Quer dizer então que fui trocada por uma nova poetisa em pleno sábado à noite? — disse ela enquanto ria.

— Infelizmente, baby, não se pode ganhar todas! — respondi rindo também.

— E então, aprovou a garota ou será mais uma dessas condenadas pelo senso crítico de Shayiera Halliwell? — perguntou ela usando um tom de ironia que eu amava.

— Isso ainda não decidi. Mas acho que posso gostar dessa Elísia.

— Olha! Que progresso! De ‘tal nova poetisa’ agora já passamos à Elísia. Hum... gostei do nome.

— Acho que combina com ela.

— Você já a conhecia?

— Não... Na verdade, não faço idéia de quem seja.

— Então essa Elísia deve ser boa mesmo. Para já arrancar suposições pessoais suas sem ao menos conhecê-la... Ai, ai! Mas mudando de assunto, que tá fazendo agora?

— Nada de ‘ai, ai’, senhorita Alysha Sanctis! Bem, agora, estou espalhada em meu sofá esperando a comida japonesa que pedi pelo telefone, com um copo de caip vodka na mão e escutando Enya de calcinha e sutiã.

— Se a parte do ‘de calcinha e sutiã’ foi dita para me provocar, meus parabéns, você conseguiu! E você sabe que eu não suporto a sua Enya! — disse ela, alterando a voz.

— Minha?! Nem sabia que era casada com ela! — ri.

— Engraçadinha! Bem, já que não fui convidada para o jantar, vou desligar e deixar você em paz com a sua Elísia — a entonação que ela deu para o nome da poetisa, meio que debochada meio que com ciúmes, ficou engraçada e só me fez rir ainda mais.

— Quem sabe amanhã a gente não pode ir à praia?

— Isso é um convite interessante, minha pantera! — risinhos do outro lado.

— Você vem pra minha casa então! Pelas oito está bom?

— Mais que bom, pantera! Vou desligar. Sonhos bem quentes pra você. E prepare-se para amanhã!

— Nossaaaaaaaaaaaaaa!!! Até parece que eu preciso de alguma preparação. Você sabe que estou sempre pronta, ma chat — e ri enquanto ela não se agüentava do outro lado.

— Beijos nessa sua boca gostosa.

E desligou.

Fiquei me lembrando de algumas de nossas noites em minha casa ou na dela. Eram de fato, ótimas e, sem dúvida, muito quentes. Eu ria quando a campainha tocou. Era o meu jantar japonês. Fui atender à porta do jeito que estava mesmo e nem me preocupei com isso. O entregador que ficou bem desconcertado. Fechei a porta e ri tentando imaginar a cara da Tasha se me visse fazendo aquilo. Senti saudades dela.

Era sempre tão bom quando ela vinha! Mas durante toda essa semana Tasha havia ido a uma viagem com a turma dela da faculdade de gastronomia para os Alpes Suíços e só chegaria à Amphipolis segunda-feira de manhã. Como ela mesma havia dito, “vou dar uma saída para caçar em ares diferentes”. Não tinha dúvidas de que ela teria sucesso e logo que chegasse me mostraria seus troféus. Levei as sacolas para a cozinha.

A diferença de minha irmã para mim é que ela é alguns centímetros mais baixa e tem os cabelos claros, um loiro escuro eu diria. Além do ar angelical que ela carrega nos olhos e que passa muito longe dos meus. Tem um pôster em tamanho natural de nós duas na parede da minha sala. Simplesmente lindas! Adoro ficar olhando para aquele retrato. O sorriso da Tasha me acalma. E ela diz que se sente protegida comigo.

Desejei mesmo que estivesse tudo bem com minha irmã e me concentrei em minha refeição. Possuía já grande intimidade com o hashi (‘palitinhos’ japoneses), mas aquela comida fresquinha ali em minha frente exigia pelo menos atenção para saboreá-la com o devido respeito.

Terminei de comer satisfeita. A comida de Hui-Hai é sempre perfeita. De sobremesa, recorri a uma barra de chocolate que tinha no armário. Meio-amargo, meu preferido. Enquanto abria a embalagem, fiz o caminho de volta para a biblioteca. Era como se Elísia estivesse me chamando e eu não pudesse dizer não a ela.

Voltei-me à pasta. As próximas páginas eram quatro gravuras de uma borboleta em pleno vôo e cada estrofe da poesia estava escrita nas asas de cada desenho. Fiquei pelo menos uma hora admirando a composição, os traços, a textura, os versos. Não fosse meia-noite já, teria ligado naquele instante para Beta e pedido a ela uma reunião com Elísia segunda-feira para conversar sobre a edição do livro.

Os textos não seguiam todos a um mesmo estilo, muito menos a um mesmo tom. Eram doces, tristes, densos, sensuais (esses últimos, especialmente, mexiam comigo). Mas nem por isso deixavam de dizer de sua autora. Podia muito bem ver Elísia em cada um daqueles poemas. Cada sentimento que quereria expor ali. Sentia que ela se entregava. E, por isso mesmo, encantava. Fiquei imensamente feliz de ter sido tirada de casa em pleno sábado de manhã, ter enfrentado trânsito e desmarcado o programa com Aly.

Mais ainda, fiquei radiante de ter encontrado alguém realmente feita de versos. Pensei em Elísia com uma aluna de Sapphō´(Safo) de Lesbos, minha poetisa favorita — e também a primeira feminista de que se tem notícia. Lembro-me perfeitamente do meu encanto ao ler o primeiro poema de Sapphō´. Amor à primeira vista. E não poderia deixar de ser! Desde então, soube que dedicaria meus dias à literatura e, em especial, à poesia.

— Você devia ser a preferida dela, cherie... Não tenho dúvida! — falei enquanto fechava o livro.

Retirei da pasta outro desenho. Uma delicada mão segurando uma rosa, como se estivesse oferecendo-a. Desejei aquela rosa, aquela mão delicada.

Recostei-me na cadeira e deixei a mente viajar... Fechei os olhos e ouvi o mar bem do lado de fora da minha janela. Entre minha casa e as ondas, havia apenas a areia branca e grossa daquele meu paraíso particular. Escutava as canções das ondas e senti um desejo enorme de ir até a praia. Saí pela porta dos fundos da biblioteca que dava direto em minha varanda. Dali, era só descer três degraus e pôr os pés na areia. Ah! Minha tão amada liberdade! Abri os braços, joguei a cabeça para trás e sorri!

A noite! Minha adorada noite... Sentindo-me absolutamente confortável, corri em direção ao mar e mergulhei. Um mergulho demorado, como se precisasse me fundir ao mar. Devagar, voltei à superfície. A lua, ainda crescente, iluminava a praia com a ajuda das estrelas.

Ao olhar para a areia, tive uma sensação estranha. Era como se alguém estivesse me observando. Arrepiei-me de imediato. Prestei mais atenção aos sons que vinham da terra. Sim, havia alguém ali, mas que não queria ser descoberto. E, pelo ritmo do coração, não me faria nenhum mal. Relaxei. Dei mais um mergulho e decidi que estava na hora de voltar para casa. Fui saindo do mar devagar e sem demonstrar que sabia da presença de quem quer que fosse ali por perto.

Entrei em casa renovada após o banho de mar. A madrugada era meu horário preferido para ir à praia. Aliás, a madrugada é meu horário preferido para trabalhar, escrever, ler e fazer praticamente tudo que gosto. A Tasha dizia que eu trocava a noite pelo dia. E ela estava certa.

Tranquei a porta da biblioteca e subi direto para o meu quarto. Queria a minha banheira, os meus óleos e sais e não ter hora para sair dali. Fiquei imaginando quem estaria me observando à noite. Será que já estivera ali antes e eu não percebi?

Fiquei submersa em minha banheira até silenciar meus sentidos. Não queria pensar em nenhuma hipótese. Tudo que me vinha à mente eram as poesias e os desenhos de Elísia. Precisava respirar. Só então emergi. Saí do banho e vesti um baby doll bem fresquinho.

Deitei em minha cama e pela primeira vez, em muitos dias, fechei os olhos em paz e pude dormir.

•.¸¸.ஐ Previsão do tempo para 1967

Mas o ano bem que poderia ser 2011, 2012, 2013...

"Bom se o ajudarmos
a ser bom. Céu claro
se nossos pensamentos forem claros.
A luz começa
na boa vontade da alma - e dos olhos.
Somos responsáveis
pelo bom tempo:
compreensão simpatia impulso de ajudar
tornam belas as manhãs
e embalam as noites
em casa e no mundo".

(Previsão do tempo para 1967 - Carlos Drummond de Andrade)


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Porque certos valores e atitudes são atemporais. Boas Festas!

•.¸¸.ஐ Dedos silentes

Toque suave. Enfim experienciava a metáfora há muito conhecida: dedos de nuvem. Num roçar contínuo, sonhava que os caminhos traçados naquelas mãos seriam os seus. Sentiu-lhe as unhas curtas e bem cuidadas, apreciou a ternura macia e o entrelaço dos dedos. Desejou que entrelaçassem também os destinos naquela carícia. Carecia-lhe ser aquele anel, adornando-lhe o dedo...

Não lhe importava o mundo do lado de fora do carro em movimento, sequer a velocidade imprudente na qual viajavam. Importava-lhe as ondas que aquelas mãos produziam em seu corpo, ainda que não estivessem sobre ele. Era noite, era maresia, era pulsar.

Na curva daquelas palmas, ansiava por entregar-lhe o mar. Tomou-lhe uma das mãos. Umedeceu-lhe os dedos com os lábios, sorvendo o deles o sal, o gosto. Da noite que ela portava, desejava a tempestade a se instalar em seu íntimo, em seu quarto.

E de repente aqueles dedos marulhavam por suas coxas. E o espaço em que se tinham parecia estreito. Era maré cheia. Sentiu as vagas do prazer lambendo-lhe inteira quando, feito espuma, a mão direita dela deslizou-lhe pela beira de sua praia, ancoradouro de quimeras.

O imperativo dos sentires fez com que mudassem de curso, pois em seus mapas, os oceanos poderiam mudar de lugar. Os cursos de seus rios encontraram-se no toque dos lábios, corriam enfim para a mesma foz.

As mãos exploravam os relevos úmidos de maresia. Desaguavam os quereres em gemidos cúmplices, misturando os líquidos. Sentiu dela o desejo se esgueirando por seus dedos. Convidou-a a velejar sem bússola pelo mar bravio de seu baixo ventre. Ao tatear firme, segredou-lhe a formação de suas ardentias. Abriu-lhe as ondas onde a outra mergulhou num mar de carícias. E, qual marinheira destemida, deixou-a percorrer suas rotas.

Sorriu ao descobrir que era ela a lua a controlar as marés vertentes de sua emoção-fêmea. Em si, formou-se um único desejo-pérola: amanhecer todos os dias na espuma daquela onda quente que jorrava dela.