•.¸¸.ஐ Sensuelle

As gotas finas que caíam das nuvens já cansadas de tanto chover a acompanhavam pelas ruas. Os cabelos soltos grudavam em seu corpo, tão molhados estavam. O mesmo acontecia com seu vestido. Lilás. Doce. De saia um pouco rodada e renda. Com direito a falsos botões na frente. Digo falsos porque não abriam. E botão que não abre que pode ser senão falso?

Passos médios, sem pressa. Pés descalços, sandálias na mão. Em seu pensamento, tinha a imagem de si diante do espelho. Lembrou-se da sensação desconcertante de que apenas parte dela estava naquele reflexo, como se fosse a pintura de uma meia Lua feita por alguém que nunca vira uma Lua cheia.

Pelo adiantado da hora, havia pouca gente pelas ruas. Ainda assim, assovios, dizeres e sorrisinhos pelo caminho. Não foram, porém, ouvidos ou percebidos. O silêncio dela era intransponível. Estava já a poucos metros do mar e sentia dele o perfume mais intenso. Amante sedutor. Chegou ao calçadão e levantou os olhos. As nuvens se desmanchavam e luzes distantes eram já vistas.

Deu alguns passos, talvez insegura. Era uma noite de segunda-feira. Não havia ninguém por perto de Helena. Olhou para frente e para trás. Medo ela não tinha. Era assim: surgida pela afirmação de sua própria negação. A moça acreditava ser capaz de se defender sozinha em qualquer situação. Não sei se era. Mas não teria que provar nada a ninguém. Não naquela noite. Não nestas linhas.

E sendo, caminhava, no mesmo ritmo, compassado, meio que brincando, meio que rebolando. Nada forçado, era natural. Demorou a reparar na criatura que, inusitadamente, acompanhava-lhe o andar. Ao lado de Helena, uma borboleta amarela esvoaçava, disposta a seguir da moça o caminho.

Aquela presença pequena e alada a fez sorrir entre os passos. Era estranho o que a jovem sentia. Uma sensação de aconchego ao lado da borboleta. Como se tivessem sempre esperado por aquele caminho, aquele encontro.

Mais alguns passos e Helena não sentiu mais aquele amarelo-vivo ao seu lado. Voltou os olhos para trás e notou um borboletear que tentava lhe chamar a atenção. Assim que a moça tinha os olhos fixos naquele voo circular, o ser alado pôs-se a voar em direção ao mar, indicando à outra que a seguisse. E ela foi.

Pisou na areia devagar. Só então notou aquela claridade familiar, que tanto amava. Voltou os olhos ao céu e se deparou com a Lua cheia. A maior que já vira. Podia senti-la tão perto... Mais um pouquinho e tocaria naquela face alva pela qual era apaixonada. Contudo, ao invés de levantar os pés, sentou-se. Ao lado dela, numa pequena elevação na areia, a borboleta descansou as asas.

Permaneceram assim, lado a lado. Até que a sensualidade de um esbarrar suave despertou Helena. Aquele tocar de minúsculos pés avançava deixando um rastro de ternura pela pele macia dela. Logo subiu até o joelho, passou às coxas. Alcançou o abdômen, os seios, colo, pescoço. Roçou-lhe os lábios e, com a licença dos cabelos, descansou pousada nas costas, bem no meio. A moça se sentiu inteira abraçada pela borboleta.

Naquele instante, o desejo de serem um único ser foi tão forte que a Lua intercedeu em favor das duas. Os corações bateram num ritmo só. As respirações se igualaram. A moça diminuiu e a borboleta cresceu. Até que houve harmonia. Helena abriu os olhos. Tinham nova cor e novo brilho. Âmbar.

Em suas costas, onde o pequeno ser pousara, um majestoso par de asas se mostrava imponente. Multicolorido, como o interior da moça – vocês não sabiam, mas ela guardava em si o arco-íris. Levantou-se com uma graciosidade desconhecida e sentiu o vento. Balançou as asas no mesmo ritmo. Não demorou a alcançar o céu.

O pouso de volta à areia foi delicado. Tocou primeiro com a ponta dos pés, feito bailarina alada, e foi baixando, devagar, até estar firme para soltar o peso do corpo. Foi então que, ao olhar para a Lua cheia, viu o reflexo de si mesma. No espelho de Helena, seu reflexo se mostrava nítido, único, como se feito por alguém que nunca conhecera outra Lua senão aquela.

4 comentários:



Ava disse...

Menina, menina...

A magia e sensualidade que exala do seu texto é inebriante.

Voce faz das palavras suas aliadas, para com elas compor tão belos escritos...


beijos e carinhos imensos...

Fil. disse...

Você sempre me emociona em suas frases cheias de encantamento e delicadeza...

Minha irmã da magia das palavras *--*

Texto lindo, o momento é de pura poesia, afinal o mar não deixa de ser um poema aos céus (em forma de infinitas gotas de lágrimas oceânicas)

bjos.

Ava disse...

Vim deixar-te um beijo.

Obrigada por seu carinho...


Um poema pra voce...


Soneto

Por que me descobriste no abandono
Com que tortura me arrancaste um beijo
Por que me incendiaste de desejo
Quando eu estava bem, morta de sono

Com que mentira abriste meu segredo
De que romance antigo me roubaste
Com que raio de luz me iluminaste
Quando eu estava bem, morta de medo

Por que não me deixaste adormecida
E me indicaste o mar, com que navio
E me deixaste só, com que saída

Por que desceste ao meu porão sombrio
Com que direito me ensinaste a vida
Quando eu estava bem, morta de frio

Chico Buarque

A.S. disse...

Talento, criatividade, fantasia! São as palavras que me ocorrem depois de ler este teu lindo conto!


Beijos,
AL